Sobre multas por falta de placas
Para o necessário entendimento da opinião pessoal exposta neste artigo, faz-se necessário se distinguir o conceito de regulação do de regulamentação de atividades de interesse público.
Quando o estado, por meio do Poder Legislativo, isto é, por meio de uma lei, cria um ente da administração indireta para desempenhar funções típicas de estado, impõe a tal ente as funções de regular e de fiscalizar as atividades de interesse público desenvolvidas por terceiros e previstas na lei.
Na lei que cria tais entes, portanto, são discriminadas basicamente duas finalidades: a de regular as funções e competências do ente delegado, dentre elas as definições e limites dos campos e atividades sob seu poder de ação e a de fiscalizar as relações entre as partes envolvidas - fornecedores, concessionários e usuário - que devam ser fiscalizadas. Eventualmente, são delegados poderes regulatórios específicos a serem desempenhados no campo administrativo pelo ente regulador na defesa do interesse público, mas em situações específicas e previamente definidas e especificadas no corpo da própria lei.
Assim, a regulação é função natural do Poder Legislativo no espectro que passaremos a tratar que é o de exercício de profissão, conforme o preceituado na CF, art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”;
Já o outro procedimento citado, o da regulamentação, é de competência do Poder Executivo, conforme visto na Constituição Federal, artigo 84, IV: “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.
Fica claro, pois, que quem estipula as regras do exercício profissional, isto é, quem o regula, por meio de lei, é o Poder Legislativo e quem o regulamenta, isto é, quem define os procedimentos administrativos e esclarecimentos necessários à perfeita aplicação da lei, é o Poder Executivo, normalmente por decreto ou instrumento administrativo adequado, mas nunca alterando o sentido do item regulamentado e nem o inovando, isto é, não acrescentando exigências ou atividades não existentes na lei, mesmo que, por falha na redação do trecho legal, torne-se inaplicável. Neste último caso, somente outra lei poderá suprir a deficiência existente.
Mas, para melhor se comentar sobre o artigo específico da Lei n 5.194/66 que trata da obrigatoriedade de manutenção de placa na obra, ele é adiante transcrito:
“Art. 16. Enquanto durar a execução de obras, instalações e serviços de qualquer natureza, é obrigatória a colocação e manutenção de placas visíveis e legíveis ao público, contendo o nome do autor e coautores do projeto, em todos os seus aspectos técnicos e artísticos, assim como os dos responsáveis pela execução dos trabalhos.”
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Em uma rápida leitura, sente-se a necessidade de se elucidar dúvidas diversas quanto à aplicação e alcance do texto legal por conta de sua redação. Como entender, por exemplo, a intenção da expressão “enquanto durar a execução de obras ... ”. Será intenção da lei de que as placas indicativas de cada responsável técnico permaneçam afixadas durante toda a execução da obra, isto é, desde o início, com a liberação do Alvará de Construção, até o seu final, com a liberação do Habite-se? Ou apenas durante a execução de cada segmento da construção, por exemplo: serviços de execução de fundações contratados a terceiros, montagem de estrutura metálica, serviços de controle tecnológico, projetos diversos iniciados e concluídos antes do início da obra e outros. Destacando-se que muitos projetos são iniciados e concluídos bem antes de se começar as obras e, em muitos casos, desenvolvidos em escritórios especializados distantes da obra.
Outra questão que gera justos questionamentos é quanto ao padrão da placa. Seria único para qualquer tipo, porte ou localização da obra? Se sim ou não, a quem caberia definir? O Confea ou cada Crea? Apenas estas questões, sem nenhuma dúvida procedentes, caberiam, por princípio, serem esclarecidas por meio de uma regulamentação proveniente do Executivo. Mas não existe tal regulamentação e nem ela pode ser feita pelo Confea ou pelos Creas.
Ademais, mesmo que estivessem suficientemente esclarecidas todas as possíveis interpretações e dúvidas aqui citadas, restaria uma outra situação de maior relevância que, aparentemente, tornaria definitivamente impeditiva a aplicação da multa por ausência de placa: quem seria o responsável pelo pagamento da multa, isto é, quem seria o polo passivo da ação fiscalizatória?
Se não está expressamente definido no texto legal, não pode ser pressuposto por quem quer que seja. Em resumo, o artigo em causa é inaplicável também por esta razão.
Ainda, de acordo com o art. 73 da Lei nº 5.164/66, não existe capitulação de penalidade para a alegada infração suscitada pelo não cumprimento do art. 16 da mesma lei. Este fato desobedece ao conceito da tipicidade, o que impede a cobrança da multa. Sem a observação deste princípio, é impossível a imposição de penas.
Por último, a resolução que trata de forma aparentemente indevida do tema, por parecer não ter legitimidade ou competência para tanto, é a Resolução Confea nº 407, de 9 de agosto de 1996, a qual, estranhamente, parece-me, nunca foi contestada judicialmente. É de se questionar se as entidades de classe devem promover o debate desta resolução junto aos seus profissionais associados para que cada tome a decisão que lhe aprouver.
Em seus “considerandos”, tal resolução determina, de forma unilateral, impositiva e injustificável “que cabe ao profissional decidir sobre a forma de se identificar como RT pela obra, instalação ou serviço”. Pelo texto de tal resolução, pode o profissional decidir de outra forma que não seja pela fixação de placa?
Enfim, não creio ter o Confea o poder de, por ato administrativo, regulamentar atividades de particulares não previstas em lei. No máximo, creio que poderia emitir as resoluções administrativas de efeitos internos, expressamente previstas na Lei 5194/1966. Nenhuma mais além delas.
No ensejo, creio ser válido se observar que, em vários municípios, é exigida a fixação de uma placa referente ao Alvará de Construção, onde conta apenas duas informações: o número do alvará e o número do processo administrativo que o gerou.
Tais informações já são bastantes para que se tornem públicos os dados suficientes para que qualquer interessado tenha acesso a todas as informações relacionadas à obra. Evidentemente, as empresas e profissionais são livres para, em obras particulares, colocarem placas com seus dados e designativas de suas atividades para fins de promovê-las comercialmente. Com esses procedimentos, é bem provável que também se evitasse possíveis conflitos com a atual LGPD.
E, por último, questiona-se: podem estar incorrendo em irregularidades os Creas que permitem ações fiscalizatórias que multam os profissionais pela ausência de placa em obra?