A DEMONIZAÇÃO DOS ADITIVOS
Curiosamente o noticiário sempre associa a corrupção em obras públicas à figura dos aditivos contratuais. Essa leviana correlação imprime à figura dos aditivos uma conotação negativa, como se sua ocorrência nos contratos se desse meramente para a liberação de recursos desprovidos de qualquer fundamentação técnica ou jurídica, com o fito de locupletar construtores desalmados e, por tabela, gestores públicos por eles corrompidos. Essa questão, oportuna e importante, nos remete a uma reflexão de ordem prática: a gênese dos aditivos.

Por regra, a celebração de um contrato público de obra ou serviço de engenharia deve ser precedida da elaboração de um projeto. A Lei de Licitações (8.666/93) estabelece que não é necessário o desenvolvimento completo do projeto executivo, bastando que ele seja básico, ou seja, com nível de precisão adequado para caracterizar a obra ou serviço, elaborado com base em estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.

Entretanto, é sabido que arquitetos e engenheiros projetistas não têm o dom de pitonisa. Por mais que se concebam os pormenores do produto final e que sejam investidos recursos em estudos preliminares e campanhas de campo, muitas são as variáveis envolvidas num projeto de engenharia e é comum que, no decorrer da obra, surjam feições que não haviam sido devidamente previstas no projeto original — diferenças nas condições do terreno, imprecisão na estimativa dos quantitativos de serviços e inevitáveis alterações ditadas por circunstâncias de campo, além de ajustes em função de mudanças operacionais ou de processo devido a novas especificações de produtos (como acontece na dinâmica indústria de óleo e gás). Estas são algumas das razões que levaram a referida lei a estipular o cabimento de aditivos contratuais de até 25% (no caso de reformas, 50%).

O que na prática confere ares de dramaticidade ao cenário das obras públicas é o círculo vicioso deflagrado pela falta de observância por parte dos órgãos públicos às condições mínimas necessárias ao projeto básico. Anteprojetos e estudos conceituais são precocemente vestidos com o manto mágico de “projeto básico” e liberados para licitação, seja porque a premência da agenda política não permite ao órgão esperar o tempo requerido para a adequada gestação de um projeto digno, seja porque o órgão não dispõe de dotação orçamentária adequada para a fase de projeto e, em decorrência disso, só lhe resta pagar preço vil pela concepção do escopo do bem a ser edificado.

Não são raras as obras licitadas sem o mínimo razoável de sondagens do terreno, com levantamentos topográficos imprecisos ou desatualizados, sem mapeamento de interferências com serviços públicos, ou mesmo a partir de “projetos-padrão” cuja precariedade é de fazer corar o mais imberbe estagiário. Os contornos dramáticos se acentuam ainda mais quando ordens de serviço são assinadas sem a prévia desapropriação dos terrenos onde as obras terão lugar e até sem licenciamento ambiental, acarretando ônus ao construtor pelo período mais extenso no qual permanecerá mobilizado.

Algumas soluções podem ser propostas, porém nenhuma delas vingará sem vontade política. A mais imediata é o resgate da cultura do “projeto bem-feito”. Enquanto os países mais desenvolvidos primam pela qualidade do projeto e asseguram aos projetistas um prazo compatível com a complexidade do caso em questão, a mentalidade brasileira ainda é a de se projetar no menor prazo possível “para soltar a licitação na praça”, deixando para a fase de obra a discussão técnica do projeto e a solução dos inúmeros problemas que poderiam ter sido debelados na fase de concepção e detalhamento a um custo muito mais baixo.

Outra saída, que requer um debate mais amplo, é repensar a contratação de projeto básico e executivo por menor preço, e até por pregão, fato que transforma em commodity a atividade criativa de arquitetos e engenheiros.

Basta uma consulta ao vasto acervo de auditorias dos tribunais de contas para que se constate que o problema que redunda nos aditivos não reside no pagamento ao construtor por serviços adicionais desnecessários ou inexistentes, mas por problemas de berço na elaboração do projeto. Culpar os aditivos contratuais pelo estouro do orçamento das obras e pelo aumento do escopo dos contratos é reverter o nexo de causalidade. É como culpar a aspirina pelo fato de o corpo estar gripado.
publicado em 09/03/2016
Aldo Dórea Mattos
Engenheiro civil e advogado
 

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